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quinta-feira, setembro 29, 2005

E, vou ler um conto enquanto não venho, nem vou:

Lugar lugares

Era una vez um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para outro, e encontravam-nos, a eles, ao inferno a ao paraíso, e tomavam-nos como seus, e eles eram seus de verdade. As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído. E diziam: é o meu inferno, é o meu paraíso. E não devemos malquerer às mitologias assim, porque são das pessoas, e neste assunto de pessoas, amá-las é que é bom. E então a gente ama as mitologias delas. A parte isso o lugar era execrável. As pessoas chiavam como ratos, e pegavam nas coisas e largavam-nas, e pegavam umas nas outras e largavam-se. Diziam: boa tarde, boa noite. E agarravam-se, e iam para a cama umas com as outras, e acordavam. Às vezes acordavam no meio da noite e agarravam-se freneticamente. Tenho medo - diziam. E depois amavam-se depressa, e lavavam-se, e diziam: boa noite, boa noite. Isto era uma parte da vida delas, e era uma das regiões (comovedoras) da sua humanidade, e o que é humano é terrivel e possui uma espécie de palpitante e ambígua beleza. E então a gente ama isto, porque a gente é humana, e amar é bom, e compreender, claro, etc. E no tal lugar, de manhã, as pessoas acordavam. Bom dia, bom dia. E desatavam a correr. É o meu inferno, o meu paraíso, vai ser bom, vai ser horrível, está a crescer, faz-se homem. E a gente então comove-se, e apoia, e ama. Está mais gordo, mais magro. E o lugar começa a ser cada vez mais um lugar, com as casas de várias cores, as árvores, e as leis, e a política. Porque é preciso mudar o inferno, cheira mal, cortaram a água, as pessoas ganham pouco - e que fizeram da dignidade humana? As reivindacações são legítimas. Não queremos este inferno. Dêem-nos um pequeno paraíso humano. Bom dia, como está? Mal, obrigado. Pois eu ontem estive a falar com ela, e ela disse: sou uma mulher honesta. E eu então fui para o emprego e trabalhei, e agora tenho algum dinheiro, e vou alugar uma casa decente, e nosso filho há-de ser alguém na vida. E então a gente ama, porque isto é a verdadeira vida, palpita bestialmente ali, isto é que é a realidade, e todos juntos, e abaixo a exploração do homem pelo homem. E era intolerável. Ouvimos dizer que numa delas, o pequeno inferno começou a aumentar por dentro, e ela pôs-se silenciosa e passava os dias a olhar para as flores, até que elas secavam, e ficava somente a jarra com os caules secos e água podre. Mas o silêncio tornava-se tão impenetrável que os gritos dos outros, e a solícita ternura, e a piedade em pânico - batiam ali e resvalavam. E então a beleza florescia naquele rosto, uma beleza fria e quieta, e o rosto tinha uma luz especial que vinha de dentro como a luz do deserto, e aquilo não era humano - diziam as pessoas. Temos medo - pensavam. E o ruído delas caminhava para trás, e as casas amorteciam-se ao pé dos jardins, mas é preciso continuar a viver. E havía o progresso. Eu tenho aqui, meus senhores, uma revolução. Desejam examinar? Por este lado, se fazem favor. Aí à direita. Muito bem. Não é uma boa revolução? Bem, compreende...claro, é uma belíssima revolução. E é barata? Uma revolução barata?! Não, senhores, esta é uma verdadeira revolução. Algunas vidas, alguns sacrifícios, alguns anos, algumas. É um bocado cara. Mas de boa qualidade, isso. E o rosto que se perdera, que possivelmente caíra do corpo e rolara debaixo das mesas, o rosto? Lembras-te? Como foi que ficou assim? Não sei: tinha uma luz. Sim, lembro-me: parecia uma flor que apodrecesse friamente. Era terrível. Boa noite. E ela trazia um vestido de seda branca, e nesse dia fazia dezoito anos, e estava queimada pelo sol, e era do signo da balança, e tomou os comprimidos todos, e acabou-se. Não compreendo. E julgas tu que eu compreendo? Quem pode compeender? Ela era a própia força, aquela irradiante virtude da alegria, aquele fulgor radical..., compreendes? Sim, sim. Tinha um vestido de seda, e era nova, e então acabou-se. Para diante, para diante. Não se deve parar. Enforquem-nos, a esses malditos banqueiros. Este vai ter trinta e cinco andares, será o mais alto da cidade. Por pouco tempo, julgo eu. Como? Sim, vão construir um com trinta e seis, ali à frente. Remodelemos o ensino. Cantemos aquela canção que fala da flor da tília. Bebamos um pouco. E outro, o que viu Deus quando ia para o emprego?! Isto, imagine, às 8 h. e 45 m. de uma tranquila manhã de Março. Uma partida de Deus? Boa piada. Não amará Deus essas maliciosas surpresas? Um pequeno Deus folgazão?! Ele ficou doido. Começou a gritar e a fugir. Que Deus vinha atrás dele. E depois? Bem, lá construíram o prédio com trinta e seis andares, e o outro ficou em segundo lugar. Isto é o trabalho do homem: pedra sobre pedra. É belo. Vamos amar isto? Vamos, é humano, é do homem. E então as crianças cresceram todas e andavam de um lado para o outro, e iam fazendo pela vida - como elas própias diziam. E então as condições sociais? Sim, melhoraram bastante. Mas uma delas começou a beber, e depois a coração estoirou, e ficou apenas para os outros uma memória incómoda. Parece que sim, que tinha demasiada imaginação, e levaram-na ao médico, e ele disse: aguente-se, e ela não se aguentou. Era uma criança. Não, não, nessa altura já tinha crescido, bebía pelo menos um litro de brandy por dia. Nada mau, para uma antiga criança. A verdade é que era uma criança, e não se aguentou quando o médico disse: aguente-se. E as ruas são tão tristes. Precisam de mais luz. Mas nesta, por exemplo, já puseram mais luz, e mesmo assim é triste. É até mais tristes que as outras. Estou tão triste. Vamos para férias, para o pequeno paraíso. Contaram-me que ele tinha uma alegria tão grande que não podia aguentar um copo na mão: quebrava-o com a força dos dedos, com a grande força da sua alegria. Era uma criatura excepcional. Depois foi-se embora, e até já desconfiavam dele, e embarcou, e talvez não houvesse lugar na terra para ele. E onde está? Mas era uma alegria bárbara, uma vocação terrível. Partiu. E agora chove, e vamos para casa, e tomamos chá, e comemos aqueles bolos de que tu gostas tanto. E depois? Ele era belo e tremendo, com aquela sua alegria, e não tinha medo, e só a vibração interior da sua alegria fazia com que os copos se quebrassem entre os dedos. Foi-se embora.


Contos Portugueses Modernos (1984)
Herberto Hélder


Beijo cheio de noite.

quarta-feira, setembro 21, 2005

Fui visitar minha tia a galope, ope, ope...

Estou aqui a borregar com Vitor Pêra, vemos Rêtêpê 2, super-filho dorme pela noite fora. As horas seguem o seu encadeamento normal; nem mais nem ontem...

A Fátima Felgueiras voltou com menos vinte (20) anos, o cabrão do país continua na mesma, a puta da vida também...

Vivemos num país que não conhece o significado da palavra: R E S P O N S A B I L I D A D E... Dá para fugir e voltar, dá para sair de mansinho, dá para ficar calado e de repente soltar o piu...

Mas quem me mandou a mim sentir curiosidade e ligar o animal? Confesso, que qualquer tentativa foi frustrada: ainda não vi a tropa. Quis ver, mas faz-me falta a programação para coordenar as minhas horas com os horários alienatórios das estações televisivas. Fica para a próxima.

O piai ai o piu piai
1X’s + ai ai ai ai
O piai ai o piu o piai ai
Ai! O piu pi ai ai o piu o piai...





Estou beijoqueira: Beijos!

terça-feira, setembro 20, 2005

Uma gaivota voava voava asas de vento coração de mar. Como ela somos livres somos livres de voar...

O Martim Pêra hoje pela manhã:
- Amas-me?
- Claro que amo, não sabes que sim?
- É que tive um sonho...
- Então, o que é que sonhas-te?
- Não me lembro bem... Era como se fosse um filme...
- Tens razão filho, os sonhos são como filmes...

Não lhe disse que eram bobines e bobines de fita, de realizador desconhecido mas com argumento nosso! Eram sete da manhã e para além de acordar com a pele toda amarrotada funciono muito mal sem cafeína e nicotina a circular pela corrente sanguínea.

Fui leva-lo à escola. Está com uma constipação e um pouco febril, fruto dos passeios, por casa, em super-cueca e pés descalços. Quando o chamo à atenção replica sempre que não sabe das socas de cirurgião, as preferidas.

Eu? Tenho andado a sofrer de uma crise grave de introspecção aguda resistente a qualquer remédio. Apetece-me ficar por casa, no universo familiar, a ler, sem vontade de contrariar este desejo de inacção. Não escrevo, não pinto, não me dou e não recebo. Não me apetece ver os amigos ou empreender qualquer actividade. Leio. Leio. O livro que trazemos entre mãos é como um prolongamento nosso. O espelho que nos reflecte.

sexta-feira, setembro 16, 2005

Se cair agarrem-me!

- Olhe! Desculpe!
- Sim?...
- Apetece-me algo diferente...
- Sim...
- Pois, é como lhe digo; talvez um ponta de lança ou um médio, ...,
- Com calma. Pense bem. Decida com atitude.
- Era um avançado, “faxavori”!
- Concertina!

quinta-feira, setembro 15, 2005

Prorrogação a termo incerto, espaçamento dilatado, intervalos erráticos, algumas nuvens e bamboleios no litoral oeste... Pequena descida da temperatur

Alma desgrenhada, alento áspero, ânimo pardacento, coração selvagem, energia descontínua, esforço esgaçado, força fosca, valor pardo, vida esfarpada, vigor desfiado, existência lanhada, ente plangente, ser revolto, viço desbotado,

movimento, fundamento, comportamento,
acção, alicerce, atitude,

espírito ampliado, carácter desabrochado, habitante consertado, afecto refrescado, afeição reiterada,

âmago dobrado guardado à espera do termo certo.

quinta-feira, setembro 08, 2005

Derramo o resto dos dias de férias pelos livros...

(...)

Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio.


(...)

Não sei de quem recordo meu passado
Que outrem fui quando o fui, nem me conheço
Como sentido com minha alma aquela
Alma que a sentir lembro.
De dia a outro nos desamparamos.
Nada de verdadeiro a nós nos une –
Somos quem somos, e quem fomos foi
Coisa vista por dentro.

(...)

Quer pouco: terás tudo.
Quer nada: serás livre.
O mesmo amor que tenham
Por nós, quer-nos, oprime-nos.

(...)


Fernando Pessoa
Odes de Ricardo Reis

segunda-feira, setembro 05, 2005

É capaz!

É capaz de mudar o tempo e chover...
É capaz de ser apenas a noite antes do dia,
É capaz de ser diferente amanhã,
É capaz de nos sentir-mos melhor e assim,
É capaz de sermos quem somos e ver os outros!

É capaz de ser capaz quem capaz é de ser capaz!
Sejam!

São promessas, senhor, são promessas...

Lido em Bartoon, de Luís Afonso, Público, 4/9/2005:

- O PS diz que a legislatura que elegeu Sócrates só terá início em 15 de Setembro. – Neste momento ainda está a correr a anterior legislatura.

- Nasce uma nova esperança! – Quem sabe agora na legislatura dele Sócrates cumpra as promessas eleitorais.

sábado, setembro 03, 2005

O Canto do Desencanto!

Acabaram os dias de férias embora ainda não esteja a trabalhar. Não posso postar conforme gostaria nem visitar os amigos com muita pena minha. Só quando voltar ao meu emprego com os meios de acesso à internet do chefe índio voltarei assiduamente a este espaço.

Os primeiros dias sem o meu blogue foram um vazio. Depois tudo assumiu o devido valor, real/virtual, e voltei sossegadamente à minha vida, de despreocupada leitora sem me aproximar sequer da folha de papel.

Agora estou aqui: arrumei e limpei a minha casa pintei as unhas de encarnado, vermelho ferrari F50, e voltei à minha vida: tinha saudades de andar de metropolitano!, é deprimente mas tinha! De dar uns cêntimos aos meus cegos preferidos! De esperar algumas perturbações nas linhas! Dos tags dos cheiros do jornal do metro (sic) da nojeira costumeira!

Voltar a pensar na desgraceira do défice, num governo desgovernado desatento sem pinga, num país que já ninguém quer.

De volta os espectros do passado: madeiras secas e ares do pinhal, só. Que seca!

Isto resolvia-se com uma linda duma paralisação geral, sem organização de qualquer central sindical nem BE, expontânea, e o apelo do povo, os próprios dos expontâneos, para nos livrarem destes gajos, apegados em betonizar sobre cinzas um país deprimido: ao menos nos tivessem fodido quando puderiamos dizer que não; agora a alienação geral conduz ao inevitável Yes, Oh, Yes, ... Venham as próximas medidas económicas: façam-nos pagar os sonhos dos otários e tegevenoremo-nos em Madrid, a um suspiro de distância...

Tenho pena deste país e de todos mas eu por mim comecei a aprender espanhol, vou na próxima apanha de morango e não volto! Não espero pelo TGV ou OTA!

Fiquem bem!






Mando um beijo muito especial para a grzl, ontemhoje, que goza de merecidas férias, para o Solrac, faztudo, o meu padrinho que continua no seu escritório a lutar pela vida, a Anatema, voydetapas, que é uma querida, detentora de todos os feedbacks que me fazem acreditar no dia depois do último poste e ao índio,last but not least,escritaepinturas, ao meu Jorge, que sei lindo magro e bronzeado, segundo testemunhos fidedignos, tenho saudade e beijo os meus amigos!

Lindos!

Os Pêra mamam a selecção de todos nós e cantam Nelly Furtado: Como uma Força!