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segunda-feira, outubro 30, 2006


Tenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam-nos contra a vida,
E fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.

Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.

Excusez un peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e da aspirina.

Álvaro de Campos, Poemas

sexta-feira, outubro 27, 2006










Fotografias de Misha Gordin

Na esquina. Nas cabeças, nas bocas. Que gritam amordaçadas. Cantam os poetas. Os sentidos. Os avisos. Calçar o sentido e partir. Desafiar. Nascer com cara de fome. Rebentar.
Ouço-te muito longe. Sigo. O teu olhar é só o teu olhar. O de sempre. O mesmo. Caminho soprando o dia para trás. A vida doce. Vida vida vida. Vida.
Verti na pia. Na casa dos homens de vida vazia. Além do azul infinitas cortinas de amargas pulsões, bafos e faróis, estufas. Vida.
Toquei na ferida, nos nervos dos fios translúcidos. Fui feliz no palco de infinitas cortinas. Veias. Vazias. Faróis. Sinais. Estufa. Vela. Longe. Mais. Vida.
Adormeceu e desligou a alimentação central. O dia iria nascer em breve.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Incinerar

Fotografia de Aaron Hawks


Não me apetece fazer-te rir nem rir para ti ou rir contigo. Não me apetece arrumar a tua vida desarrumada. Apetece-me ser apenas eu. Ser como sou, sem os condicionalismos que abomino. Não vou atrás do teu abismo. Nem te vou fazer seguir até aos meus. Vou afastar-me dos abismos. Conheço-lhes a forma, posso fugir!
Tudo o que faço começa a ter sentido.
Tudo o que sinto já não fica calado.
Há lixo que não se recicla.
Aviso aos incautos:
Qualquer semelhança com a realidade é pura ficção.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Por trás das nuvens está apenas o sol!


Fotografias de Agatha Katzensprung


Estava em casa perdida e andava de um lado para o outro como se tivesse pouco tempo para qualquer coisa e esquecia o que seria e sentia uma despersonalização muito forte, intensa de mais para ser apenas uma ilusão.

Começara o dia com dificuldade, ouvindo um barulho não identificado e querendo ficar mais um pouco naquele quase casulo absoluto, tão diferenciado da realidade fria.

Tinha de se levantar. Maquinalmente tirou as pernas de dentro da cama pôs os pés no chão. Impulso.

Passou os quartos o corredor o hall ignorou a casa de banho e espreitou a sala. Dirigiu-se à cozinha.

Precisava da nicotina. Tossiu.

Tratou ainda cheia de borboletas nos olhos do pequeno-almoço e entregou-lhe ritualmente. Ele aceitou-o e pediu que acendesse a luz.

Claro! Fazia sempre tudo sem abrir a boca. Esquecera-se de dizer bom dia, mas ninguém lhe garantia que fosse mesmo ser um bom dia!

Estava zangada por sentir sono. Estava cansada e culpava a vida. Inusitadamente. Repetia para si mesma que ao domingo teria de se deitar mais cedo. Pensava sempre isto no começo das manhãs de segunda-feira.

Bebeu dois cafés até o dia arrancar mesmo. Estava uma tarde fria e ouvia uma ária de ópera.
Lá fora o barulho dos autocarros a circular pela rua, os carros, atrupido quase apenas rodoviário.


Novembro 2003
[Tudo é datado. E ainda bem!]

Perlompompero

Fotografia de Alessandro Bavari


1974

1/1/74

Agora a luta é comigo. Se quero aguentar mais uns tempos é dominar os meus demónios interiores, a moleza d'alma, o deixar-andar, o impedir pelos meios ao meu alcance a repetição dos erros do ano passado, que alguns deram frutos mas nem sei se compensadores.
(...) Enfim, conhecer os meus limites e tentar superá-los apenas se a ousadia valer os riscos e em plena consciência. (...)
Amanhã, mudar de programa. Vai ser um combate incerto que derrotas, desânimos, mesmo períodos de crise, poderão comprometer definitivamente. A ver vamos.

Luiz Pacheco, Diário Remendado 1971-1975

sábado, outubro 21, 2006


Tenho saudades tuas. Será que sabes? Fico morna e ardo em silêncio e no fim da noite não aguento mais. Tenho saudades tuas. Será que sentes? Faço-me forte e sou mas vacilo quando não sinto o teu cheiro. Tenho saudades tuas. Não vejo a hora de olhar os teus olhos e sentir que estás aqui. Já me conheces tão bem, sabes de cor os meus limites, as minhas loucuras. Não é bom o reencontro? Mato as saudades com um abraço que repudias.












Tua,
Mulher Elástico.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Variações


- Bem podias fazer hoje...
- É...
- P'ra amanhã?


- Fazer. Hoje. Bem podias!
- É p'ra amanhã!

[Fazer, podias, amanhã,
bem, amanhã, podias fazer,
hoje, bem, hoje-amanhã, podias,
Bem fazer.]



Seja como for é bom fazer. Hoje ou amanhã!... Bem, vou ali ver se chove...

terça-feira, outubro 17, 2006

Soneto
Fecham-se os dedos donde corre a esperança,
Toldam-se os olhos donde corre a vida.
Porquê esperar, porquê, se não se alcança
Mais do que a angústia que nos é devida?
Antes aproveitar a nossa herança
De intenções e palavras proibidas.
Antes rirmos do anjo, cuja lança
Nos expulsa da terra prometida.
Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,
Antes o olhar que peca, a mão que rouba,
O gesto que estrangula, a voz que grita.
Antes viver do que morrer de pasmo
Do nada que nos surge e nos devora,
Do monstro que inventámos e nos fita.
José Carlos Ary dos Santos




Fotografias de Choninha

... já cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio.

Raduan Nassar, O ventre seco

Parabéns lindinha!




Amigo


"Procura-se um amigo. Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir.

Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor...

Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo.

Deve guardar segredo sem se sacrificar. Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objectivo deve ser o de amigo.

Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer. Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância.

Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim. Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive."

Vinicius de Moraes

Parabéns, Alexandra, por seres quem és, como és... Há quem procure. Quem nunca encontre. Há quem já encontrou. Tudo vale a pena quando a partilha existe. Beijos dos Pêra. "Velhota"!

domingo, outubro 15, 2006



Tenho andado com uma puta-de-uma-neura que provoca uma azia-absorvente-do-espaço-envolvente e um cabrão de um desencanto.

SPM misturado com o arrastar de dias cansativos, descanso sem qualidade e uma dieta pobre em calorias.

Assim, como os Pêra, eles mesmos, coitadinhos!, já nem me podem ouvir, aceitamos o convite do cunhado e da minha Su Mana Mané e fomos até à Assenta passar o fim-de-semana.


O mar definiu qualquer coisa dentro de mim. Escrevi na areia mas veio uma onda e foi-se a prosa. Cá dentro ficou um espaço novo redefinido e fortalecido...


A inquietação segue em:

www.oser.blogspot.com/

Fotografias de Choninha

terça-feira, outubro 10, 2006

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Isabel Magalhães
Simbologia; 2000; 60 x 50 cm; acrílico sobre tela

Fotografia de Isabel Magalhães, com o título: A line is a dot that went for a walk


Não tenho respostas

Não tenho respostas.
Quero atordoar-me no barulho,
para que o silêncio das palavras,
não me mate de dor o coração.
Irrelevante!
Há estados intemporais.

Isabel Magalhães



A Isabel está em http://a-redea-solta.blogspot.com/ , as suas telas em http://immm.blogspot.com/ e tem umas fotografias no Flickr que denunciam um olhar especial.
* Sem pedido de autorização prévio.


segunda-feira, outubro 09, 2006

Fotografia de Lylia Cornelia


Há uma nuvem no meu olho direito
Há qualquer coisa nos meus ouvidos
Um som de mar que ficou
A areia da praia é sempre diferente
Ondas vêm e vão
Movimento perpétuo
Fé renovada
O vazio
No fundo da tua alma o meu cheiro
Desencontrado
Os teus olhos cansados
Famintos
A cor pardacenta gasta dos meus pensamentos
Sou assim como sou
Sinto no ventre o sonho perdido
Sinto no dia a força esquecida
À noite quero dormir e esquecer
Quero sonhar e lembrar

sexta-feira, outubro 06, 2006

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quinta-feira, outubro 05, 2006

Pintura de Abel Júpiter



Às vezes apetece ficar assim, estendida, com um livro nas mãos e um gato aos pés... Como canta o Martim Pêra, as palavras de Sérgio Godinho, "fim-de-semana é para ganhar coragem"... e os feriados também!
Fomos à Feira do Livro da Amadora, no parque Delfim Guimarães, que para além de algumas editoras representadas tinha também alfarrabistas.
Que prazer vaguear descontraídamente, pegar nos livros e desfolhar, ler aqui e ali...
Levei-os a ver uma exposição de pintura do jovem Abel Júpiter, Timor, no centro Internet do Espaço Delfim Guimarães.
" Abel Júpiter não se considera pintor; antes uma pessoa que pinta porque gosta (...) O amor, o carinho e a saudade pela terra que o viu nascer são revelados em cada pintura a óleo, em cada traço que reflecte o dia-a-dia de homens e mulheres simples e batalhadores, que são filhos da terra onde o crocodilo se fez ilha." António Moreira, Vereador da Cultura da CMA
Depois de uma breve passagem pela Feirarte, uma mostra de artesanato e produtos regionais, lá regressámos a casa. Martim Pêra foi estudar um texto para o ditado de amanhã e o aparelho digestivo e os Pêra velhos recarregar energias para mais um dia de trabalho. A ponte é uma passagem, como cantavam os Jáfumega, mas o patronato às vezes não tem cultura musical!