Ouvimos Frank Zappa na placidez da Venda do Cepo. O sol brilha depois de dias carregados de nuvens e aspergidos a chuva. A família preparava-se para um passeio, ao santuário da Senhora da Lapa.
As moscas estão excitadas com o regresso do calor...
O tio Francisco, 60 anos tristes, tem o cabelo negro e cada vez se parece mais com o avô António Maria, até na curvatura das costas a caminhar.
A tia Teresa linda com os seus 52 anos, sempre a melhor de todos. Os atrasos são sempre culpa dela que cozinha, trata da família, lava e arruma a cozinha e não prescinde do tempo necessário para se por ainda mais bonita.
O tio José reclama que é sempre uma demorada com as maquilhagens e essas coisas de mulheres. Mas não resiste a um piropo quando a vê por fim pronta.
Quando regresso à aldeia da família e olho os montes e os cabeçudos imagino-me invariavelmente, numa outra reencarnação, uma camponesa maluca que andava pela Serra do Pisco a pastar as minhas cabras. Ao entardecer ordenhava-as e fazia queijo com aquele leite saboroso...
Às sextas-feiras empreenderia cedo o dia. Tratava dos animais e metia os pés ao caminho. Se é que se poderia chamar como tal. Eram mais trilhos por entre montes e cabeçudos e a solidão dos pensamentos. Fazia cerca de dez quilómetros para ir à vila vender os seus queijos na feira semanal.
Feira brava que reunia gentes de todos os concelhos, que saíam, alguns, ainda mais cedo que Rosalina, para vender e comprar. Muitos traziam gado e havia a zona destinada a tal. Utensílios para a lavoura, legumes, sementes e tudo que possam imaginar e existisse... Não se podia esquecer de passar na Conceição para comprar as ceroulas para o José Augusto, o filho querido que estava na Guarda a cumprir o serviço militar...
Rosalina ocupava a terceira banca, junto com outros habitantes da sua aldeia. Cada um vendia os excedentes da agricultura de subsistência. Rosalina como as demais mulheres além do trabalho rural e do tratamento dos animais, dos filhos e da casa, fazia queijo de cabra, curado na cozinha, dentro de um engenhoso armário com rede que António tinha feito. A lareira sempre acesa encarregava-se de ajudar o processo.
Teresa ajudava-a muitas vezes. Punha carinho em tudo que fazia e era uma pequena mulherzinha de dez anos. Com desvelo ajudava a mãe, tratava do pai e dos irmãos. Eram 7. A Zulmira, a Otília, o Aleu, o José, a Carmo e o Francisco. O Vasco não tinha sobrevivido ao primeiro inverno.
Teresa era a mais doce das filhas. A mais bonita. Nesse ano adoeceu gravemente. Nunca foi ao médico. Nunca sabe o que teve, lembra-se do que sentia e de como quase deixou de andar.
Rosalina deve ter feito uma promessa à Nossa Senhora da Lapa, que lhe salvasse aquela filha. Que não lhe levasse de novo um filho. Os seus olhos azuis ficavam baços cada vez que recordava a imagem de Vasco agonizante, sem que ela ou alguém pudesse ajudar. Mais tarde recordava-o como um anjo que passou pela família e velaria sempre por todos. A sua religiosidade era quase tão grande quanto a aversão de ver António beber...
António bebia mas amava muito aquela mulher pequena de cabelo negro e gestos nervosos e ágeis. Adorava a sua pele branca com aqueles olhos azuis, os gestos rápidos e certos, o corpo pequenino cheio de lugares a descobrir.
1 comentário:
Não sei se lhe chame crónica ou conto?!
De toda a maneira, cada vez me surpreendo mais pela qualidade ficcional dos textos.
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