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quarta-feira, novembro 30, 2005

O amigo que desistiu...

(Já passaram três anos e ainda dói lembrar aquele telefonema; ainda custa não saber-te aqui connosco a partilhar a vida...)


Carlos tinha tudo preparado. Planeara incomensuravelmente cada movimento, desejando que fosse o último. Como seria. Pela manhã o seu corpo foi encontrado pela irmã, que à Segunda-feira depois de deixar a filha na escola, lhe levava a roupa da lavandaria. Só tinha aquele irmão. Os pais tinham perecido há muito e habituaram-se a contar apenas um com o outro desde cedo. Depois a irmã casara, Carlos ficara com a casa dos pais, que arranjou do seu modo, para partilhar um dia com a sua família. Nunca a teve. Daí o amor desmedido que sentia pela Inês, sua única sobrinha.
A última tarde passara-a na igreja, nos ensaios do coro a que pertencia desde algum tempo, para colmatar as falhas dos amigos e preencher um pouco a sua solidão. Tinha o anseio secreto e calado de talvez encontrar aí alguma rapariga da sua idade, talvez mais nova, em idade fértil, alguém para partilhar a doçura imensa que escondia por trás das lentes dos óculos. Carlos era um homem de afectos, de carinhos, de palavra amiga. Era o mais fiel de todos e aquele que calava as decepções com um "deixa lá" sem ressentimentos...


Acabei de receber um telefonema do Salvador: o Carlos enforcou-se! Nunca lhe disse que gostava muito dele, que era uma pessoa importante para nós. O que ficou para dizer jamais poderá ser dito. Foi seguramente a solidão, a angústia do desamparo!

(Tinha 42 anos, talvez menos, talvez mais, que importa... Importa que perdemos um amigo... E precisou de alguém e não nos disse nada, não confiou em nós para partilhar a sua aflição, o desespero, preferiu o isolamento e o desapego.)

Desistiu. Deixou-nos ficar cheios de pensamentos amargos de como poderia ter sido diferente...

1 comentário:

graziela disse...

isso é muito triste, choninha, o desespero da solidão levado ao extremo.
um abraço
graziela