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segunda-feira, julho 18, 2005

A vida que sonhamos...

Nuno saiu de casa e andou. Passou pelo carro, olhou e continuou, assim... Clara tinha dito que viria mais tarde, e quando Clara o dizia; apareceria no dia seguinte, à noite, e Nuno cansado do trabalho perguntar-lhe-ia: “Já jantas-te?” E ela responderia qualquer coisa do género; sim, sim, comi alguma coisa...

Por isso, Nuno, saiu de casa.

Nesse dia apetecia-lhe andar...
Pensou em Clara. Quando eram os dois jovens e rememorou, agora, as suas rugas, depois de amar. Clara já fora jovem! Agora envelhecia, sem o conseguir evitar, tal como ele... Os filhos cresceram e silenciosamente restavam só os dois. Restos de uma família possível...

( Os filhos prosseguiam as suas vidas nem sempre bem nem sempre assim... )

Sentia-se tão sozinho mas não lhe apetecia companhia.
Sentia uma dor que dificilmente partilharia com alguém.
Chegou o dia de saber que envelhecera e podia sentir-se, assim, como tal...

O dia em que não podemos fingir ser quem não somos. Quase como o primeiro dia do resto das nossas vidas, tipo Sérgio, Godinho.

Clara regressou a casa e sentiu alivio de estar sozinha. Sem ele sempre a sorver, enfim; a falar para o umbigo: ele cansava-se de falar e ela cansava-se de o ouvir! Inventava acontecimentos para a hora em que o sabia de volta, para não o reencontrar em casa. Depois ele regressaria tarde e ela fingia dormir. Ou fariam aquele amor de velhos, sem novidade. Ela arfaria, de dor, da sua secura e da inabilidade dele tentando entrar dentro dela e quando tudo acabava disfarçava a desilusão.


“Adoro-te Nuno, foi muito bom”.
“Clara!”, dizia a fingir-se encantado, como das primeiras vezes.

Ao longo dos anos cansaram-se da mentira e já não o diziam. Acendiam um cigarro, acendiam a televisão, fechavam a janela, abriam a janela. Tudo ficou diferente depois daquele dia.


Depois de nascer a Rita, Clara decidiu laquear as trompas. Tinha quarenta anos e três filhos. Quando ela entrou na menopausa deixou de se interessar pelo sexo e facilmente inventava dores de cabeça. O Nuno engravidou alguém numa relação sem futuro.

Foi assim que Clara teve Mariana, a filha que não esteve dentro dela. Mas também foi assim que Nuno a perdeu definitivamente.

1 comentário:

Jorge disse...

Mas aonde vais buscar tanta inspiração?