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quinta-feira, julho 14, 2005

A viúva menopáusica

Era uma vez, ou: Quase muito de repente olhou-se naquele espelho da tia Celeste que ocupava agora uma das paredes da sua sala e viu-se como era.

Tinha tanto medo de crescer que envelheceu calada e agora que enviuvara há menos de um ano via-se menopausica, com veias salientes nas pernas, obstipação crónica e pregas caídas por todo o corpo. Se não fosse alta míope teria visto também a cor à volta dos olhos, os pés de galinha, o buço e a barba, rugas e rugas das vezes que riu e chorou, milhares de linhas de expressão...

Pior que a dor de perder alguém é ouvir finalmente o vazio dentro de si. Sentir que nunca vivemos para nós mas em função de alguém, quem partiu ou deixou de existir... Saber, a frio, que as hipóteses de começar de novo são remotas e talvez nem tanto assim desejadas...

O Álvaro Cunhal também morreu.

Ela ainda se lembrava daquele primeiro de Maio, quando saíram todos na manifestação, o camarada tinha chegado do exílio e como juntos tinham calcorreado as ruas. Eram tão novos, escandalosamente jovens e idealistas. A vida encarregou-se de matar tantos sonhos e ideais. O comunismo provou ser apenas mais um ismo e não a concretização das cogitações de Marx.

Tudo acabou, pensou soturna, deixei de ser jovem, tenho o cabelo fraco e baço, as hormonas falidas.

Ficava triste de já não poder conceber nem procriar.

Nunca tinham tido filhos, porque o Hélder nunca quis e ela era a sua mulher, a sua companheira, que o aceitara e amara e apoiava em todos os projectos de vida.

Só mais tarde, ao falar-lhe, cansada dos métodos anticoncepcionais, ele acabou por lhe confessar que era estéril.

Hélder sempre o soubera e nunca lho dissera.

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